Avanços na cardiologia pediátrica e fetal
Técnicas inovadoras para procedimentos de alta complexidade, aliadas à aplicação de conceitos diferenciados no atendimento a gestantes, têm contribuído de maneira decisiva para o aumento da expectativa de vida de bebês cardiopatas
No Brasil, cerca de 24 mil bebês nascem todos os anos com algum tipo de cardiopatia congênita. Para contribuir com a reversão deste quadro, uma série de avanços na área de cardiologia pediátrica e fetal tem permitido o tratamento bem sucedido de diferentes má formações que, há poucas décadas, limitavam a expectativa de vida de centenas de recém-nascidos. “O desenvolvimento de técnicas cirúrgicas inovadoras e diagnóstico precoce, aliados à aplicação de conceitos diferenciados no atendimento a gestantes, têm contribuído de maneira decisiva para a sobrevivência dos bebês cardiopatas que temos atendido ao longo dos anos”, afirma a Dra. Ieda Jatene, cardiologista responsável pelo Serviço de Cardiologia Pediátrica e Cardiopatias Congênitas do HCor.
Com a evolução das técnicas de cirurgia intrauterinas, hoje conseguimos realizar procedimentos capazes de melhorar a saúde do feto, até que ele nasça.
Segundo Dra. Ieda, inovações no tratamento de cardiopatias congênitas podem ser verificadas já no período pré-natal. Ou seja, além de realizar os procedimentos de rotina indicados no início de cada gravidez, o HCor, por exemplo, tem realizado exames de ultrassom morfológico e ecocardiograma fetal, voltados especificamente para a detecção de má formações cardiológicas. “Quando realizado entre o primeiro e o segundo trimestre gestacional, o ultrassom morfológico pode rastrear diferentes tipos de anomalias no coração do feto. Quando há suspeita de alguma anormalidade, recorremos ao ecocardiograma fetal. Tal procedimento nos permite detectar e avaliar detalhadamente inúmeras irregularidades, tanto estruturais quanto da função cardíaca do bebê”, acrescenta a Dra. Simone Pedra, cardiologista fetal e coordenadora da Unidade Fetal do HCor.
Diagnóstico Pré-natal
Nos casos em que algum problema é encontrado, os resultados demonstrados pelos exames também fornecem coordenadas necessárias para possíveis intervenções, ainda na vida fetal, e acompanhamento de perto da gestação até o nascimento. “Muitas anomalias encontradas ainda no útero da mãe reduzem bastante as chances de sobrevivência após o parto. Portanto, eis mais um avanço importante: com a evolução das técnicas de cirurgia intrauterinas, hoje conseguimos realizar procedimentos capazes de melhorar a saúde do feto, até que ele nasça. Essa abordagem garante não só maiores chances de sobrevida aos bebês, mas também melhores condições para a realização de novas cirurgias no período pós-natal, quando necessário”,esclarece a Dra. Ieda.
Procedimentos Híbridos
Entre as técnicas terapêuticas aperfeiçoadas pela equipe do HCor, ao longo dos anos, as de cateterismo são as mais utilizadas. Afinal, são capazes de tratar ou promover a melhora de até 70% das cardiopatias congênitas existentes. Casos mais graves, porém, requerem meios de resolução mais complexos, como os chamados procedimentos híbridos. “Neste tipo de cirurgia, o intervencionista pediátrico – responsável pelo manejo do cateter – une forças com um cirurgião cardíaco para solucionar situações extremamente delicadas de maneira menos agressiva e com menor tempo de recuperação, o que é fundamental para a saúde do bebê”, explica o Dr. Marcelo Jatene, cirurgião cardíaco do HCor. O cirurgião revela que casos de síndrome da hipoplasia do coração esquerdo estão entre os que mais demandam cirurgias híbridas no HCor.
Caracterizado por uma atrofia do lado esquerdo do coração, o problema de-manda que o cirurgião faça uma abertura no tórax do feto para a colocação de uma espécie de bandagem ao redor das artérias pulmonares com o objetivo de restringir o fluxo de sangue para o pulmão. “Feito isso, é a vez do intervencionista realizar o implante de um stent no canal arterial para possibilitar a circulação sanguínea da parte inferior do corpo promovida pelo ventrículo direito, o único a funcionar no caso desta doença”, explica o Dr. Carlos Pedra, intervencionista pediátrico do HCor.
Graças à sala híbrida cardiovascular do HCor, este tipo de procedimento também tem sido feito de maneira cada vez mais segura e precisa. Isso porque a tecnologia disponível no local permite que os médicos visualizem cada detalhe do procedimento em monitores especiais capazes de exibir imagens radiológicas tridimensionais em tempo real, de maneira análoga a uma tomografia. Essas imagens podem ser sobrepostas e comparadas em sistema computadorizado, o que serve como uma espécie de guia de navegação durante a cirurgia.
“A aplicação de procedimentos híbridos para a síndrome de hipoplasia do coração esquerdo permite uma taxa de sobrevida de até 80% entre os nossos pequenos pacientes. Afinal, sem tratamento, 95% dos portadores de hipoplasia do coração esquerdo vêm a óbito ainda nas primeiras semanas de vida”, complementa o Dr. Carlos Pedra, lembrando que o HCor é uma das maiores referências na realização de procedimentos híbridos da América Latina.
De maneira inovadora, o HCor ainda realiza outros tipos de procedimentos híbridos como oclusão de comunicações interventriculares e interatriais em crianças de baixo peso. Ou seja, o implante de próteses para fechamento de orifícios localizados nos septos que separam tanto os ventrículos quanto os átrios do coração de bebês com baixo peso e bastante sintomáticos. “Ambas as técnicas são aplicadas sem necessidade da chamada circulação extracorpórea – que consiste em uma máquina capaz de substituir o trabalho do coração e do pulmão, enquanto os órgãos são operados. Tudo é feito com o coração da criança batendo, o que é menos traumático e também demanda menor tempo de recuperação”, revela o Dr. Marcelo.
Segurança no Pós-operatório
O HCor também conta com métodos avançados para diagnóstico e avaliação pós-operatória imediata. Realizada por meio de uma injeção de contraste nos vasos sanguíneos, a angiografia de saída permite que aparelhos de raios x detectem defeitos residuais pós-operatórios, imediatamente, após o término das cirurgias. O ecocardiograma transoperatório é outro recurso importante na sala de operações, já que além de identificar possíveis defeitos residuais, pode auxiliar no controle da função do músculo do coração. “Tais técnicas, aliadas às imagens em tempo real que podemos obter na sala híbrida cardiovascular do HCor, nos dão a possibilidade de corrigir qualquer problema no mesmo ato cirúrgico, o que evita reoperações motivadas pelo diagnóstico tardio de possíveis complicações posteriores”, explica a Dra. Simone Pedra.
Obstetrícia Especializada
Outra iniciativa que vem registrando resultados muito favoráveis é a realização de partos de bebês cardiopatas dentro do HCor. Isso porque, com o acompanhamento de uma equipe de obstetrícia especializada em gestantes de alto risco, os bebês nascidos no hospital são encaminhados para a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal Cardiológica imediatamente após o parto. Neste setor, as crianças recebem os medicamentos necessários, até o momento de passarem pela terapêutica indicada, seja ela por cateterismo ou cirurgia cardíaca, sem que um minuto seja perdido. “Isso evita uma série de riscos e complicações o que aumenta, consideravelmente, as chances de recuperação e sucesso no tratamento”, avalia a Dra. Ieda. “Vale lembrar que, até o momento, já foram realizados mais de 340 partos de bebês cardiopatas, cuja apresentação da doença acontece logo após o nascimento. Parte destes atendimentos ocorreram também por meio do convênio que o hospital mantém com PROADI-SUS”, conclui a cardiologista do HCor.